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Notas de Livros: Tirando os Sapatos - Nilton Bonder

 

NOTA: 4/5

Resenha: Um livro de leitura fácil e não muito demorado. Conta a história do autor pelo Caminho de Abraão, os conflitos da região e os conflitos que se estabelecem quando não se permite a comunicação e ao mesmo tempo se demoniza o lado oposto. É um livro figurativo.
Como complemento, para livros profundos sobre a questão da comunicação ou sobre a pacificação de lugares via comunicação recomendo A Comunicação Não Violenta de Marshall Rosenberg e Como Resolver Problemas Complexos de Adam Kahane, respectivamente.

Sobre o Turismo da Alma ou a Peregrinação
"O turismo convencional é a prática de excursionar pelo mundo buscando a multiplicidade de seus encantos e deleites. O turismo espiritual, por sua vez, tem como atrativo maior o uso da diversidade para inspirar no Viajante a descoberta em si, em sua psique ou em sua essência de paisagens até então desconhecidas.

Está interessado principalmente nos pontos que permitem não apenas o descortinar de uma paisagem nova, mas o surgimento de um novo olhar.

(...)

Sábios de muitas tradições foram os primeiros turistas espirituais. Peregrinavam para exorcizar seus fetiches e seus apegos sempre atrelados a uma terra que conheciam e que julgavam ser seu território. Então eles largavam tudo e se tornavam andarilhos. Se lhes perguntassem para onde iam, diriam que a um lugar livre de si, de suas certezas e convicções. Lugar onde pudessem ser alforriados de seu olhar viciado, salvos do tédio de suas desconfianças, resgatados do fastio de suas preferências." P. 17-18

Para quem tira os sapatos: "Sentir o chão é reencontrar a vida" p. 22

"O chão, no entanto, é o pavimento da vida e ele não se ajusta à nossa pisada. De tanto em tanto, temos que retirar o sapato e tocar o solo com a planta do pé. Encontramos então sob ela uma superfície irregular e desconfortável que pode até nos ferir. Mas esta será uma experiência singela de libertação e expansão. Sentir o chão é reencontrar a vida." p. 22

"Cada um de nós nasce numa família, numa cultura e num lugar específico. Somos o resultado da junção de nossa herança genética com o legado da memória dos que nos antecederam. Esses são os ditames incontestáveis do passado que teremos que honrar. Mas há também demandas do futuro que impõem a cada um o aporte de uma contribuição pessoal no presente, na Vivência do indivíduo em seu tempo. Quando o peregrino sai da casa de sua parentela, quando se aventura para além de sua tribo e de sua cultura, ele se faz vulnerável como nunca. Pode parecer que as ameaças Vêm do caminho, do lugar onde não há proteção, do desconhecido. A vulnerabilidade maior, no entanto, está nos fundamentos, nas crenças mais básicas que carregamos em nossa identidade, que se questionadas ou desmontadas podem resultar na perda de nosso referencial e do nosso equilibrio psiquico." P. 23

"Mesmo sendo escravos, mesmo sob opressão, a terra de onde se sai é uma terra plena de afetos. Não é apenas idealização um revisionismo histórico, fruto de fantasias. É muito real. A terra de onde se parte é a terra onde se viveu e não há substituto ao que foi vivido. Mesmo em condições melhores, mesmo em circunstâncias mais apropriadas à nossa visão de mundo, o que se viveu é parte de uma terra deixada. E esses objetos que são contraditórios, na contramão do que estamos nos propondo, são apenas incongruências legítimas de quem não sabe ao certo por que “vai”. Não podemos retirar a incerteza do ato de ir. Fazer isso seria destruir a aventura, seria exorcizar o espiritual contido na vulnerabilidade e na entrega." P. 39 (Negrito por Daniel Brandt)

"Uma amiga escreveu um romance sobre o alerta que nos fazem as aeromoças no final da viagem: “Cuidado ao abrir os compartimentos de bagagem, pois os objetos podem ter se deslocado durante a viagem!” Esse alerta é bastante simbólico do que acontece ao viajarmos. Nada estará exatamente no lugar em que deixamos. E as bagagens, que simbolizam o desejo de permanência, a vontade de nunca termos viajado e termos nos exposto à incerteza, essas são as que nunca saem ilesas. Elas se movem e, em breve, o que parecia indispensável será mais que supérfluo, tornando-se um empecilho à peregrinação." P. 40

"Hospitalidade - O que é meu é teu, o que é teu é meu
A bagagem é o patrimônio mínimo que carregamos conosco. Ela é o nosso pequeno poder em terras onde somos desprotegidos. No entanto, como na própria vida, vamos aprendendo que a segurança maior não está nas coisas ou nos objetos, mas na interação." P. 40 (Negrito por Daniel Brandt)

"o maior agraciado nessa troca é, na maioria das vezes, o anfitrião. Ele oferece sua Prosperidade Externa, seja na forma de abrigo, alimento ou conselho, e recebe em troca a força e a novidade da Prosperidade Interna de quem está em viagem." P. 41 (Negrito por Daniel Brandt)

"A Prosperidade Interna é o maior patrimônio do peregrino e ele poderá permutar seus bens internos por bens externos. Essa troca acontece em todos os aspectos da vida, que é um escambo infindável de patrimônios internos e externos. Quem não acredita nisso ainda não viveu o bastante, não acumulou as milhagem necessárias para ser um andarilho." P. 43 (Negrito por Daniel Brandt)

"tanto o acolhido quanto aquele que acolhe estão em viagem." P. 43

"Vai a Ti! Segue o caminho que não existe, mas que é o teu único!" P. 45

"os Guias não apontam o destino, mas impulsionam o passo que é a nossa conexão com o presente, o início de qualquer caminho." P. 45

"Nossa mala, pensei, acaba sendo um fator de segurança emocional; a roupa nos dá proteção social. Ela não vale apenas para nos proteger do frio, mas para a interação social. Quando você está na sua terra, você sabe que tem o seu armário e ele é um território de proteção. “Hoje vou sair, vou me encontrar com quem? Como vou me proteger das pessoas com quem vou me encontrar?"" P. 61

"do Lech Lechá - a fala de Deus para Abraão: “Sai-te da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que te mostrarei.”" p. 64

"A frase que Abraão escuta de Deus é Lech Lechá, palavras que traduzidas do hebraico significam vai (lech) a ti mesmo (lechá) . No sentido literal, esta é uma construção enfática, imperativa. Mas, na verdade, significa: Vá até você mesmo, Abraão. Abandone o lugar comum e vá em direção ao lugar que te mostrarei." P. 69

"Este lugar não é rotineiro, não é banalizado. Mas não é um lugar estranho para você." P. 69

"...ir em direção a si mesmo e a terra prometida nada mais é do que o processo de comprometer-se consigo mesmo." P. 79 (Negrito por Daniel Brandt)

"O Deus único é uma postulação teológica menos sobre a divindade e mais sobre o próximo, sobre o ser humano em geral. O Deus de todos é um mesmo porque, no final das contas, todos os seres humanos são iguais. Nessa igualdade se manifesta o Deus único, e em desigualdade a realidade se faz pagã. Há então os deuses dos privilegiados e os deuses dos excluídos. Porém, o Deus único é o Deus de iguais." P. 81 (Negrito por Daniel Brandt)

"Melhor a viagem que nos faz vulnerável do que a segurança que nos rouba o caminho. Melhor enfrentar a vertigem do horizonte e usufruir da liberdade do que inventar portas reconfortantes que nos fazem cativos e solitários." P. 101 (Negrito por Daniel Brandt)

"Os desafetos muitas vezes se descobrem companheiros e parceiros porque, via de regra, estão expostos a uma mesma violência ou adversidade. Só quando enxergam o outro como vítima do mesmo infortúnio conseguem desfazer sua inimizade." P. 106

"No Oriente Médio, o gestual de cada um é mais importante do que sua fala. Alguém pode falar uma coisa, mas seu rosto demonstrar outra. No Ocidente, nos preocupamos em falar politicamente correto e pronto. No Oriente, uma pessoa pode acolhê-lo, servir-lhe chá e, ao mesmo tempo, falar barbaridades sobre a sua religião. O que importa é a atitude, não a fala. Este é um ponto onde Oriente e Ocidente não alcançam o entendimento e que favorece as manipulações políticas. Um exemplo disso, sem querer defender nenhum discurso e nem ser ingênuo, são as falas do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. O conteúdo do que. ele, diz choca o Ocidente. Mas seu gestual talvez não acompanhe em intensidade a sua fala. Assim, Ocidente e Meio Oriente realimentam suas animosidades: um não percebe a violência de sua fala e outro não percebe a violência de seu gestual." P. 120-121

"... o processo de jogar fora a bagagem, que já mencionei anteriormente, é demorado. E, no final, ficar sem bagagem não é ficar sem identidade - é, apenas, ficar menos ameaçado pela identidade dos outros." P. 123

"...ser generoso não é entregar o que você quer, mas o que o outro quer." P. 127

"O ser humano, seja pela Árvore da Sabedoria, pela Torre de Babel ou mesmo pela ciência, entendeu as similaridades com a divindade como algo da esfera do poder, o que o levou a almejar ser tal como Deus. Abraão entende esta postulação de outra forma. Não somos como Deus pelo fato de sermos criativos e inventivos como o Criador. Somos como Deus porque somos capazes de sentir a compaixão que hospeda. Deus nos acolhe e nos dá guarida, e nós podemos proceder da mesma forma. Abrir espaço na sua casa, abrir lugar e acomodar o outro é ser Deus para um ser humano. Ali está sua potência máxima.
Diz a tradição mística que a Criação é um ato de encolhimento de Deus. Para que o universo pudesse existir onde tudo era composto por Deus, o Criador teve que se contrair para gerar um espaço destituído de si. Este abrir mão de si, este esvaziar de seu espaço, esse acomodar para que a alteridade tivesse lugar, é um vazio profundo demais para quem não tem consciência. Deus esvazia seu armário, estende novas toalhas, arruma a cama com seu melhor linho e coloca a mesa para abrigar o universo e a vida. Nesse vazio, nesse oco de identidade, se faz possível algo maravilhoso. Ali não prolifera a antitese de si mesmo, mas a afirmação maior de um sujeito que se faz mais existente na abstração de si do que na garantia de seu espaço.

Só um ser desenvolvido em plenitude pode usufruir mais durante o ato de agraciar do que no ato de gratificar-se. Ser anfitrião é muito mais do que receber um hóspede. É poder desprender-se de medos que de tão profundos e naturais são percebidos como fundamentos. Temores que veem no espaço ocupado o alicerce para a identidade.

Abraão afirma algo revolucionário, ainda por se testar: a verdadeira identidade é aquela que se sustenta sem esses alicerces. Uma identidade formada não pela exclusão do outro, mas, ao contrário, onde o outro é a base imprescindível para o eu. Onde o peregrino concede e agrega valor aos víveres e à propriedade de seu anfitrião, fâzendo uso dos mesmos. Onde o hóspede lembra ao anfitrião que ambos são inquilinos e transitórios nesse hajj, nessa peregrinação pela vida." P. 136-137

"Abrir nossos ouvidos para acomodar o outro e lhe dar espaço é hospeda-lo." P. 217

"Quando reconhecemos que o outro nos ouviu, muitas das adversidades se desfazem automaticamente, pelo simples fato de que o ódio é um produto da sensação de isolamento." P. 218

"Toda vez em que nossa identidade pessoal obliterar nossa condição peregrina, ela estará promovendo ódio aos outros e a nós mesmos. Essa identidade se fará sedentária e terá como interesse maior elevar suas percepções e leituras momentâneas a categoria de certezas e fundamentos. Trocará assim a sua integridade por um interesse; a sua natureza por uma gratificação imediata; o projeto por uma vitória." P. 231 (Negrito por Daniel Brandt)

"...o fundamento não é apenas a reverência a uma construção milenar, mas também o ídolo cuja função é afirmar minha existência e meu controle. Os fundamentos são uma maneira de eu eleger a mim em vez de eleger a Deus
(...)
Ou seja, uma sofisticada maneira de reproduzir o mundo de estátuas e ídolos de Abraão. Um truque que, de tanto em tanto, ganha nova roupagem e cosmética sem mudar sua essência." P. 231 (Negrito por Daniel Brandt)

"A identidade se faz na interação não na herança." p. 248 (Negrito por Daniel Brandt)

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